E essa agora? O marido aparece em casa, tentando agradar,
portando uma shih tzu no colo de apenas 45 dias? “É presente de Natal”, ele diz,
derretido pela filhote, que chora fraquinho, baixinho, e só para de resmungar
para tentar arrancar um filete ou dois de carne dos dedos que a seguram.
Eu apenas sacudo a cabeça, temendo o quanto posso sofrer por
causa daquilo. E, tentando remover a ideia do marido de ter uma
cachorrinha, conto-lhe sobre meu triste passado, quando tinha apenas dez ou
onze anos:
- Você sabe que eu já tive cachorros antes. Um deles, o Toquinho,
subiu a escadaria correndo e começou a arranhar a porta da cozinha para que minha
irmã e eu a abríssemos. Ele estava desesperado, gania por algum motivo que não sabíamos.
Quando abrimos a porta, o cachorro se escondeu debaixo da pia, respirando de
boca aberta, arquejante. Aí, caiu a ficha: um vizinho havia envenenado o bicho.
O pior de tudo é que o animalzinho pediu ajuda, e não pudemos fazer nada... O
veneno foi corroendo-o, queimando-o por dentro. Sofreu muito antes de morrer e, por isso, não quero mais animal algum.
O marido, atento à narração, volta a acariciar a pequena
shih tzu, mantendo o silêncio. Então, após refletir por alguns segundos,
conclui:
- Ah, entendi. A sua decepção, na verdade, não foi com o
bichinho-cachorro, foi com o bicho-homem... tão cruel a ponto de envenenar seu
animal. Você e essa mania de confundir as coisas...
Na verdade, não. Eu só não queria sofrer daquele jeito... de
novo. Mas, enfim, enquanto eu remoo umas sombras do passado, a shih tzu, agora
no chão, vem para mim, louca pela possibilidade de morder os dedos do meu pé.
Rio, sentindo cócegas... E me esforço para mudar minha cabeça, minha visão
realista e sofrida de mundo. Enquanto a pequena destrói minhas chinelas
Havaianas, provocando risos na família toda, digo em voz alta:
- Já é hora de esquecer o passado e a crueldade do mundo. Estamos
em dezembro, mês de se esperar por algo melhor da vida.
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