Era feriado prolongado na Namíbia. Como já tínhamos
conhecido o norte do país, decidimos nos aventurar para o sul, até uma cidade
chamada Lüderitz.
Preparação para a viagem de 7 horas e 47 minutos, de
Windhoek até lá, com vários quilômetros apenas de deserto: muito lanche e muita
água. Afinal, se o carro enguiçar, temos que esperar algumas horas até outro veículo passar e
oferecer ajuda. E em meio ao nada, sem sinal de celular, com a possibilidade de
interrompermos a jornada devido à tempestade de areia que cruza o asfalto,
aprendemos que o melhor é nos precaver.
E assim, partimos. O jipe branco deslizando na rodovia
retilínea em pleno deserto. Paramos em um restaurante no caminho, comemos
apetitosas coxinhas das asas – com gordura suficiente para manter o colesterol
alto por vários dias –, bebemos refrigerante cor-de-rosa – que ricochetearia
qualquer diabético –, e voltamos
esbaforidos para o carro, ligando o ar-condicionado no máximo antes que derretêssemos
no caldeirão do lado de fora. Sério: quem vive em regiões assim consegue
sobreviver a qualquer coisa! Qualquer
coisa!
Como se não bastasse o calor e a alimentação maléfica, meu
filho, à época com 3 anos, começou a se inquietar na cadeirinha. Meu pequeno já
tinha passado as primeiras horas da jornada dormindo e, à tarde, queria
liberdade, queria sair correndo pelo deserto até ser soterrado de areia com as
rajadas de vento. Fiz todas as brincadeiras que conhecia para convencê-lo a se
acalmar, e inventei outras mais. No fim, quem estava exausta era eu – o que não
significa que eu conseguiria dormir. Dormir, na Namíbia, passou a ser um
obstáculo praticamente intransponível. Só depois de comprar potentes
humidificadores conseguimos resolver o irrelevante
problema com a insônia.
Sete horas depois, quando todas as músicas que tínhamos já
tinham sido tocadas; e quando meu filho já tinha se convencido de que chorar
não o teletransportaria de volta para casa, é que chegamos à impressionante
cidade-fantasma Kolmanskop.
Kolmanskop – a
cidade cujas casas foram sendo engolidas pela areia após serem abandonadas por
seus donos – é o perfeito cenário de um filme de suspense. Muitas construções
não suportaram os anos e foram se entregando ao deserto, confundindo-se com
ele. Até caminhar de uma casa à outra é missão para quem tem bom preparo
físico, pois os pés afundam na areia, deixando claro que se você deixar, vai
ser engolido também.
Depois de conhecer a cidade-fantasma sob o calor de 40
graus, partimos para Lüderitz. A
distância era de apenas 13 quilômetros, mas o vento gelado do Oceano Atlântico
fez a temperatura cair para 12 graus!
Desembarcamos do jipe, batendo o queixo de frio, e tentamos
conhecer a cidade a pé. Àquela altura, não é preciso dizer que logo desistimos
do intento, porque preferimos nos refugiar num café e escapar do vendaval
violento que faz os moradores manterem janelas e portas cerradas.
Dormimos cedo naquele dia. Ou melhor, tentamos dormir, num
hotel que parecia adentrar o mar.
O clima põe à prova, mas a paisagem é inesquecível. Fica na
memória. Por isso, escrever o conto Kolmanskop
– Assassinato na cidade-fantasma foi um dos trabalhos mais fáceis para mim.
Afinal, eu senti na pele o que meu personagem sentiria. O resultado foi uma
trama cheia de suspense e, lógico, com muita areia (risos) do deserto.
Foto tirada para ser a capa do livro. |
Em frente a um casarão abandonado |
KOLMANSKOP - ASSASSINATO NA CIDADE-FANTASMA é o livro 4 de Contos da Namíbia. Não é
necessário ler os livros anteriores, eles não são uma sequência. Está
disponível no link:
Bata um papo com a autora. Gosto muito de conversar:
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