O ventilador de teto mal fazia vento algum. Só um barulho
incessante e inconveniente – nhéc-nhéc-nhéc – perturbava os ouvidos. Mosquitos
competiam com o som irritante, zumbiam e zombavam enquanto tentávamos dormir.
Aquele hotel, de latrina entupida e café da manhã incerto, foi nossa casa por
12 dias.
Enquanto isso, procurávamos uma residência para alugar. Com
móveis, claro, porque tínhamos deixado toda a mobília no Brasil. E se
tivéssemos decidido levá-la, teríamos que aguardar 2 meses para o navio abarcar
na África do Sul e mais 30 dias para a alfândega liberar o contêiner até a
Namíbia.
“Melhor deixar no Brasil”, meu marido e eu concluímos,
pegando o avião com 12 (sim, DOZE) malas, e uma criança, dormindo no colo.
Meu marido ia empurrando dois carrinhos no Aeroporto
Internacional de São Paulo (Cumbica), derrubando bagagem por todo o lado e maldizendo
quem via pela frente. Estava estressado por ter que levar tanta coisa (detalhe:
duas malas GRANDES eram de fardas dele, repito, DELE). Por sorte, a companhia
aérea optou por não cobrar o excesso de bagagem, o que nos deixou mais felizes
e menos duros.
Pegamos o avião às 20 horas. Não fomos direto à Namíbia,
porque a passagem custaria o dobro!, já que foi comprada em última hora.
Fizemos uma pequena baldeação até a
Alemanha, o que me fez lembrar da época em que eu detestava pegar ônibus
pinga-pinga (conhece o termo?).
Aprendendo a dividir espaço |
Quando desembarcamos, às 8 horas da manhã (horário local),
em Frankfurt, nos entreolhamos: “Não devia ser dia?”. Ficamos espantados com a
persistência da noite naquele inverno de congelar até gaúcho, e fomos direto para o
hotel, descarregar a mudança, digo, as doze malas. Rapaz, confesso que tive
ganas de enfiar aquela bagagem toda no... armário do hotel e esquecê-las lá
mesmo!
Pois bem, depois de uns passeios gastando nossos preciosos
Reais que, trocados por Euro na Europa, me fizeram pensar, por algum motivo
irracional, em papel higiênico, embarcamos num voo para Namíbia.
Que delícia! Mais doze horas num avião confortável – com meu filho deitado em três assentos, dois dos quais não eram dele, e chutando ora
a mim, ora a meu marido, alternando acertar o queixo de um ou de outro – e, enfim,
chegamos ao continente africano.
Lá, uma agente da Polícia Federal Namibiana nos recebeu,
falando uma língua cheia de erres, o que me fez duvidar de que o inglês era
mesmo a língua oficial daquele país. Um alemão, atrás de mim, percebeu que eu
não entendia patavinas e falou: “She wants you to stay behind the line”.
Ah, ela queria que eu ficasse atrás de uma linha
improvisada com fita adesiva vermelha, colada no chão, para que o aparelho dela
me escaneasse.
No portão de desembarque, uns brasileiros que eu não
conhecia, nos aguardavam. Fizemos amizade imediata – relação que persiste até os
dias de hoje, mesmo que um deles tenha criticado meu primeiro livro à beça
(fazer o quê? Amizade sincera.).
12 dias se passaram, como eu disse anteriormente, até
conseguirmos alugar uma casa – uma perfeita residência namibiana: grande, com
muitos cômodos, mesa de jantar para 10 pessoas, ideal para um casal que tem, no
mínimo, 5 filhos!
Não era o nosso caso, obviamente, mas no país menos habitado
do mundo, achar uma preciosidade daquelas com móveis! e louça! e talheres! e
roupa de cama!, ou seja, achar um lar onde viver por um ano em apenas 12
dias (quando nosso amigo levou 2 meses), foi mesmo uma bênção.
Pronto: estávamos preparados para começar uma experiência
incrível, para conhecer uma cultura e geografia inusitadas para nós.
Passamos treze meses felizes, como se numa terra
paradisíaca.
Com o querido Coronel Haibodi |
Quando voltamos ao Brasil, a presidente já não usava mais
batom nem salto alto; em vez disso, tinha uma cabeleira grisalha atraente. O paraíso (onde
as atendentes dos mercados brigavam entre si para que você passasse as compras
com elas) ficou para trás, ficou em África. Mas as lembranças, certamente,
persistem – no cartão de memória da máquina fotográfica e, claro, na nossa
mente.
A experiência na Namíbia resultou na produção de contos de suspense. Conheça-os no link:
Se quiser um conto de presente, mande e-mail para cristiane.krumenauer@gmail.com,
solicitando um dos títulos.
Grande abraço.