Num país distante, Julliette era uma menina acostumada a ter
a admiração de todos. Bonitinha, rica e inteligente, era cercada de atenção e
mimos pela família, professores e colegas. Oposto a tudo isso, estava Sarah - feinha, pobre e de inteligência medíocre, a ser tratada sem consideração por
seu círculo de relação social.
Por pertencerem a universos diferentes, jamais se
encontrariam não fosse a mãe de Sarah trabalhar na residência de Julliette, e
os patrões financiarem os estudos da pequena na mesma escola da filha. A intenção
foi boa, mas só fez ressaltar a posição de inferioridade de Sarah, cercada de
crianças tão diferentes dela.
A infância de exclusão garantia uma vantagem que acabou
desaparecendo na fase adulta: Sarah se reconhecia diferente dos demais, mas não
compreendia por quê. A mãe não lhe explicava com palavras, apenas com os olhos
lacrimejantes de consternação.
Mas um dia, Sarah entendeu. Foi uma revelação dolorosa. Ocorreu quando já tinha 20 anos, no trabalho como secretária. Um dos clientes
disse que estava com muita pressa e que ela devia chamar o gerente o mais breve
possível.
- Sinto muito, senhor, o gerente está em reunião e só poderá
atendê-lo daqui a uma hora.
- O quê? Sua branquela de olhos azuis, você não está
entendendo que estou com pressa?
Aquelas palavras fizeram-na despertar para a realidade. Então
era aquilo? A diferença entre ela e Julliette, em todos aqueles anos, não era
apenas econômica? Acima de tudo, a diferença estava nas características físicas:
ela, de olhos azuis e cabelos castanhos; e Julliette, uma linda africana de
pele e olhos negros? Sarah teve que suportar o insulto e imaginou se, em algum
lugar do mundo, aquela realidade preconceituosa era diferente. Haveria um país
em que os brancos eram iguais aos negros? Ou eram tratados melhor do que os
negros?
Sarah voltou a si quando o próximo cliente, um poderoso e atraente
homem negro, cheio de dentes brancos e impecáveis, olhando para o relógio de
ouro, perguntou-lhe
sorridente se o gerente iria demorar.
- N... não – ela conseguiu dizer, impressionada.
A resposta era uma mentira, o gerente iria demorar bastante tempo. Ainda
assim, Sarah achou que seria interessante fazer aquele estranho esperar na sala dela por quase
uma hora... "Isso, se ele não se importar com minha cor, tão horrivelmente clara."
Por Cristiane Krumenauer
Autora de Atrás do Crime (Giostri, 2016), entre outros livros de suspense.
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