Olá, queridos leitores. Este blog prometia ser mais policial e acabou se tornando mais geral, não é? Tudo bem, nada de barreiras. É bom lermos vários gêneros, não concordam? Mas reconheço que a literatura policial deve ser o foco aqui. Então, vai aí uma matéria feita pelo escritor DANIEL BARROS a esse respeito. Ele cedeu generosamente esse texto ao blog. Como sempre, apreciem sem moderação :)
O QUE É LITERATURA POLICIAL?
O gênero policial se caracteriza na
sua estrutura narrativa pela presença do crime,
da investigação e do malfeito, tendo como foco a elucidação ou resolução do crime
(mistério). Além de não permitir a impunidade, pois politicamente propõe que o
crime não compensa. Essa é a definição clássica.
Para melhor nos situarmos na origem da
literatura policial, devemos buscar o início dos romances de aventura, pois por
um longo tempo ambos estiveram intimamente ligados. Com a introdução do
raciocínio e da lógica, a literatura de aventura vai aos poucos se
transformando, mesmo que algumas vezes confusas, no que hoje seria o clássico
policial.
Há diversas teorias sobre o
seu surgimento, entretanto a dedução e o raciocínio lógico constituem a sua
base. Já em 1747,
Voltaire publica “Zadig ou O destino”, em que, através da dedução, o
personagem, sem nunca ter visto a cadela da rainha e o cavalo do rei, ambos
desaparecidos, os descreve com exatidão e, por isso, é acusado de tê-los roubado.
Quando na realidade apenas se baseou nos vestígios deixados pelos animais na
estrada para descrever suas características. Zadig foi preso. Mas, quando os
animais reapareceram, os juízes pediram explicações a Zadig. Mas não sem antes
obrigá-lo a pagar uma multa, como se a vítima tivesse que pagar pelo erro dos
magistrados.
Zadig
esclareceu que, no caso da cachorrinha, havia notado no chão pegadas do animal
e logo concluíra ser de um cão. Percebeu também marcas leves e longas na areia
entre os vestígios das patas, revelando que eram de uma cadela com tetas
caídas, e que, assim sendo, estava recém-parida. Outros traços no chão em
sentido diferente, ao lado das marcas da pata dianteira, mostravam o tamanho
das orelhas em sua observação, da mesma forma que havia uma profundidade
diferente entre as impressões de uma pata e outra – levando-o a concluir que a
cadelinha mancava... Explicou também que, com o cavalo do rei, usara o mesmo
método.
Na literatura de aventura, os heróis
Ivanhoé, Robin Hood, Rei Artur e tantos outros são exemplos em que a ação
comandava as cenas; o raciocínio frio e lógico, quando surgia, era superado
pela valentia dos heróis ou pela força das armas. Por muito tempo o romance de
aventura dominou o mundo literário e com o decorrer do tempo se dividiu em três
fases: a primeira conservou o mesmo espírito, apenas ampliando seu campo de
ação; a segunda, de espionagem, que na verdade já existia, porém não com essa
nomenclatura, pois a esta não figurava como o centro da intriga, como podemos citar
Milady, no romance do célebre Alexandre Dumas, Os três mosqueteiros. E, finalmente, a terceira fase, o romance
policial surge tendo o raciocínio lógico como força preponderante a suplantar a
ação e as armas.
No início do século XX, S.S. Van Dine
propôs as vinte regras do romance policial, regras muito boas para nortear a
base de um bom livro. Mesmo recomendando que seja verossímil, não permite
riscos para o detetive, nem nuances da vida amorosa do mesmo, com a intenção de
não distrair o leitor, o que considero uma falha do clássico romance de enigma.
Mas para nosso regozijo, dentro do gênero, encontramos o estilo negro, ou noir, como é mais conhecido, onde a
semelhança com a vida real é marca registrada; nele, o herói (investigador)
corre os riscos inerentes ao trabalho, bem como tem sua vida exposta, seus
casos amorosos, brigas, violência, etc. Tendo paralelas à investigação outras
tramas. Um dos grandes autores, se não o maior, é o nosso Rubem Fonseca, e
poucos sabem que foi comissário de polícia no início de sua carreira. Hoje é
considerado por Leonardo Pandura um dos melhores escritores do gênero. Fonseca
se torna conhecido do grande público, ao ter suas obras levadas ao cinema, onde
podemos destacar: Bufo & Spallanzani
(romance), O cobrador (conto) e Mandrake, que virou seriado de sucesso
na HBO.
Em nível mundial temos: Raymond
Chandler, que exerceu uma influência enorme no gênero romance policial moderno,
tendo seu personagem, Philip Marlowe, também levado para o cinema, no clássico À beira do Abismo.
Sem dúvida, é o estilo de que mais me
aproximo. Portanto, meu romance Enterro
sem defunto segue este caminho, porém como diz o escritor e crítico,
Maurício R. B. Campos: “O tom que caracteriza a obra é o noir, mas foge daquele noir
estereotipado. Estamos no Brasil, nos arredores de Brasília ou em uma praia de
Maceió. O tom é colorido como nos convêm, longe do preto e branco ianque.”
Dentre outros estilos, podemos
destacar o Interpretativo, onde é
narrado o crime já ocorrido, estilo muito bem utilizado por jornalistas, como
no livro de Truman Capote, A sangue frio:
trama que relata o brutal assassinato de quatro membros de uma família no Oeste
do Kansas. O livro descreve, de forma minuciosa, a vida pregressa dos
criminosos, sua fuga, bem como toda a investigação e a reação da população à
época. Para isso, Capote realizou várias entrevistas, tendo inclusive se
envolvido emocionalmente com os criminosos. E tudo termina com a condenação dos
assassinos que, posteriormente, foram enforcados.
No século XIX (abril 1841), Edgar
Alan Poe publica em um periódico da Filadélfia, Granam’s magazine; Dois Crimes da Rua Morgue (Detetive C.
Auguste Dupin); depois, A Carta Roubada
(1845), e passa a ser considerado o pai do gênero policial e seu personagem,
Dupin, torna-se referência para criação do detetivesco no romance policial.
Entretanto, há relatos de que no século XX o escritor e diplomata, ROBERT Van Gulik, traduziu The judge dee stories, as estórias de Ti Jen-Tsié, escritas no século
VII. Uma série de contos policiais baseados na vida desse juiz.
Outros autores tiveram breves passagens pelo
gênero; Dostoiévski, Balzac, Victor Hugo, E. Hemingway (Os assassinos, 1927, segundo Dorothy Parker, é um dos cinco
melhores contos americanos de todos os tempos) e até mesmo Charles Dickens, que
chegou a deixar um modelo de romance policial, que poderia se chamar de
policial perfeito, mas infelizmente, ao final, não apontou o criminoso. Falo de
O Mistério de Edwin Drood. Entretanto,
tais autores tiveram incursões esparsas, ficando de fato Poe como o grande
inspirador do clássico romance policial.
Enfim, seja qual for o
estilo escolhido, o gênero policial sempre estará presente entre os melhores,
pelo mistério, enigmas, deduções ou pela semelhança com a vida nua e verdadeira
que nos cerca.
Daniel Barros
Autor de O Sorriso da Cachorra,
Enterro sem Defunto, entre outros.