Atrás do Crime - conquistando os leitores do Brasil

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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

O qUe É LiTeRaTuRa PoLiCiAl?


Olá, queridos leitores. Este blog prometia ser mais policial e acabou se tornando mais geral, não é? Tudo bem, nada de barreiras. É bom lermos vários gêneros, não concordam? Mas reconheço que a literatura policial deve ser o foco aqui. Então, vai aí uma matéria feita pelo escritor DANIEL BARROS a esse respeito. Ele cedeu generosamente esse texto ao blog. Como sempre, apreciem sem moderação :) 


O QUE É LITERATURA POLICIAL?

O gênero policial se caracteriza na sua estrutura narrativa pela presença do crime, da investigação e do malfeito, tendo como foco a elucidação ou resolução do crime (mistério). Além de não permitir a impunidade, pois politicamente propõe que o crime não compensa. Essa é a definição clássica.
Para melhor nos situarmos na origem da literatura policial, devemos buscar o início dos romances de aventura, pois por um longo tempo ambos estiveram intimamente ligados. Com a introdução do raciocínio e da lógica, a literatura de aventura vai aos poucos se transformando, mesmo que algumas vezes confusas, no que hoje seria o clássico policial.
Há diversas teorias sobre o seu surgimento, entretanto a dedução e o raciocínio lógico constituem a sua base. Já em 1747, Voltaire publica “Zadig ou O destino”, em que, através da dedução, o personagem, sem nunca ter visto a cadela da rainha e o cavalo do rei, ambos desaparecidos, os descreve com exatidão e, por isso, é acusado de tê-los roubado. Quando na realidade apenas se baseou nos vestígios deixados pelos animais na estrada para descrever suas características. Zadig foi preso. Mas, quando os animais reapareceram, os juízes pediram explicações a Zadig. Mas não sem antes obrigá-lo a pagar uma multa, como se a vítima tivesse que pagar pelo erro dos magistrados.
Zadig esclareceu que, no caso da cachorrinha, havia notado no chão pegadas do animal e logo concluíra ser de um cão. Percebeu também marcas leves e longas na areia entre os vestígios das patas, revelando que eram de uma cadela com tetas caídas, e que, assim sendo, estava recém-parida. Outros traços no chão em sentido diferente, ao lado das marcas da pata dianteira, mostravam o tamanho das orelhas em sua observação, da mesma forma que havia uma profundidade diferente entre as impressões de uma pata e outra – levando-o a concluir que a cadelinha mancava... Explicou também que, com o cavalo do rei, usara o mesmo método.
Na literatura de aventura, os heróis Ivanhoé, Robin Hood, Rei Artur e tantos outros são exemplos em que a ação comandava as cenas; o raciocínio frio e lógico, quando surgia, era superado pela valentia dos heróis ou pela força das armas. Por muito tempo o romance de aventura dominou o mundo literário e com o decorrer do tempo se dividiu em três fases: a primeira conservou o mesmo espírito, apenas ampliando seu campo de ação; a segunda, de espionagem, que na verdade já existia, porém não com essa nomenclatura, pois a esta não figurava como o centro da intriga, como podemos citar Milady, no romance do célebre Alexandre Dumas, Os três mosqueteiros. E, finalmente, a terceira fase, o romance policial surge tendo o raciocínio lógico como força preponderante a suplantar a ação e as armas.
No início do século XX, S.S. Van Dine propôs as vinte regras do romance policial, regras muito boas para nortear a base de um bom livro. Mesmo recomendando que seja verossímil, não permite riscos para o detetive, nem nuances da vida amorosa do mesmo, com a intenção de não distrair o leitor, o que considero uma falha do clássico romance de enigma. Mas para nosso regozijo, dentro do gênero, encontramos o estilo negro, ou noir, como é mais conhecido, onde a semelhança com a vida real é marca registrada; nele, o herói (investigador) corre os riscos inerentes ao trabalho, bem como tem sua vida exposta, seus casos amorosos, brigas, violência, etc. Tendo paralelas à investigação outras tramas. Um dos grandes autores, se não o maior, é o nosso Rubem Fonseca, e poucos sabem que foi comissário de polícia no início de sua carreira. Hoje é considerado por Leonardo Pandura um dos melhores escritores do gênero. Fonseca se torna conhecido do grande público, ao ter suas obras levadas ao cinema, onde podemos destacar: Bufo & Spallanzani (romance), O cobrador (conto) e Mandrake, que virou seriado de sucesso na HBO.
Em nível mundial temos: Raymond Chandler, que exerceu uma influência enorme no gênero romance policial moderno, tendo seu personagem, Philip Marlowe, também levado para o cinema, no clássico À beira do Abismo.
Sem dúvida, é o estilo de que mais me aproximo. Portanto, meu romance Enterro sem defunto segue este caminho, porém como diz o escritor e crítico, Maurício R. B. Campos: “O tom que caracteriza a obra é o noir, mas foge daquele noir estereotipado. Estamos no Brasil, nos arredores de Brasília ou em uma praia de Maceió. O tom é colorido como nos convêm, longe do preto e branco ianque.”
Dentre outros estilos, podemos destacar o Interpretativo, onde é narrado o crime já ocorrido, estilo muito bem utilizado por jornalistas, como no livro de Truman Capote, A sangue frio: trama que relata o brutal assassinato de quatro membros de uma família no Oeste do Kansas. O livro descreve, de forma minuciosa, a vida pregressa dos criminosos, sua fuga, bem como toda a investigação e a reação da população à época. Para isso, Capote realizou várias entrevistas, tendo inclusive se envolvido emocionalmente com os criminosos. E tudo termina com a condenação dos assassinos que, posteriormente, foram enforcados.
No século XIX (abril 1841), Edgar Alan Poe publica em um periódico da Filadélfia, Granam’s magazine; Dois Crimes da Rua Morgue (Detetive C. Auguste Dupin); depois, A Carta Roubada (1845), e passa a ser considerado o pai do gênero policial e seu personagem, Dupin, torna-se referência para criação do detetivesco no romance policial. Entretanto, há relatos de que no século XX o escritor e diplomata, ROBERT Van Gulik, traduziu The judge dee stories, as estórias de Ti Jen-Tsié, escritas no século VII. Uma série de contos policiais baseados na vida desse juiz.
 Outros autores tiveram breves passagens pelo gênero; Dostoiévski, Balzac, Victor Hugo, E. Hemingway (Os assassinos, 1927, segundo Dorothy Parker, é um dos cinco melhores contos americanos de todos os tempos) e até mesmo Charles Dickens, que chegou a deixar um modelo de romance policial, que poderia se chamar de policial perfeito, mas infelizmente, ao final, não apontou o criminoso. Falo de O Mistério de Edwin Drood. Entretanto, tais autores tiveram incursões esparsas, ficando de fato Poe como o grande inspirador do clássico romance policial.
Enfim, seja qual for o estilo escolhido, o gênero policial sempre estará presente entre os melhores, pelo mistério, enigmas, deduções ou pela semelhança com a vida nua e verdadeira que nos cerca.



Daniel Barros
Autor de O Sorriso da Cachorra, 
Enterro sem Defunto, entre outros. 



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terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

ÍnTiMo DeMaIs


   Cresci ouvindo meu pai dizer que eu não era melhor do que ninguém. Demorou para aprender que ninguém era melhor do que eu.

   Diante da situação caótica em que o Brasil se encontra, penso no essencial que deixamos de aprender. Quer dizer que sou de bem, desde que haja policiamento nas ruas?

   Não entendo. Impossível compreender. Alguns dizem: “É porque você não está nesta situação”. Será que não estou? Será que nunca estive?

   Comecei a trabalhar fora aos 16 anos de idade. Antes disso, contudo, já trabalhava em casa, na confecção de calçados do atelier de meu pai, num período que antecedeu uma crise que devastou as fábricas calçadistas do sul do país. Trabalhava duro e cursava o Ensino Médio à noite – fazia todos os trajetos casa-trabalho-casa-escola-casa, de bicicleta, uns prazerosos 17 quilômetros que me obrigavam a manter a forma. Fazia frio (ainda faz) no inverno sulista, muito frio. O vento noturno congelava minhas mãos, até eu descobrir uma versão barata de luvas de couro, que impediam o ar gélido de penetrar a roupa.

   Meu salário, tão reduzido, era investido em educação. Sempre foi assim. Sempre fui assim. Quando me formei no colégio, acho que eu era a única com lágrimas nos olhos. Por ter me formado? Não. Por não ter certeza de que conseguiria pagar a faculdade, a duas horas de distância de onde morava.

   Foi quando soube de um concurso para secretária de escola. Pagavam melhor do que eu ganhava: dois salários. Era minha chance. Estudei (bastante) e passei em primeiro lugar. Daí em diante, a vida foi melhorando. De secretária à professora, de professora à escritora. Meu baixo salário, tenho que dizer, sempre foi revertido nos estudos: curso de inglês, livros, ensino superior, especialização e mestrado. Nada foi gratuito, mesmo porque é quase impossível fazer uma federal e trabalhar concomitantemente. E eu precisava trabalhar. Não só pelos estudos, mas pela alimentação, aluguel, roupa, enfim.  

   Minha história, embora resumida, justifica minha falta de compreensão: por que tanta violência? Latrocínio, saques? Parece que a população só estava esperando a oportunidade para revelar o verdadeiro caráter, ou a falta dele.

   Não pretendo me prolongar, então, termino com um apelo:


Pais e mães, ensinem seus filhos a serem alguém, não a terem algo.  

  O que se tem hoje, envelhece, estraga, se perde. Entretanto, o ser que se forma, transforma, trabalha e luta. Por um mundo melhor, menos degradante. O dinheiro não pode ser, em nenhuma circunstância, melhor do que o próprio ser humano. Mas infelizmente, é ele que está levando o mundo à morte.

   Meu apelo vai aos pais, diretamente aos pais. Porque paguei por meus estudos, mas não pelos valores que aprendi. Esses vieram cordial e diariamente de minha família. Foram gratuitos, e os mais valiosos que recebi na vida. 



Cristiane Krumenauer
Autora de Atrás do Crime; Chamas da Noite; 
Memória, Imaginação e Narração e da série Contos da Namíbia








segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

A CoR dA (In)FeLiCiDaDe



   Num país distante, Julliette era uma menina acostumada a ter a admiração de todos. Bonitinha, rica e inteligente, era cercada de atenção e mimos pela família, professores e colegas. Oposto a tudo isso, estava Sarah - feinha, pobre e de inteligência medíocre, a ser tratada sem consideração por seu círculo de relação social.

   Por pertencerem a universos diferentes, jamais se encontrariam não fosse a mãe de Sarah trabalhar na residência de Julliette, e os patrões financiarem os estudos da pequena na mesma escola da filha. A intenção foi boa, mas só fez ressaltar a posição de inferioridade de Sarah, cercada de crianças tão diferentes dela.

   A infância de exclusão garantia uma vantagem que acabou desaparecendo na fase adulta: Sarah se reconhecia diferente dos demais, mas não compreendia por quê. A mãe não lhe explicava com palavras, apenas com os olhos lacrimejantes de consternação.

   Mas um dia, Sarah entendeu. Foi uma revelação dolorosa. Ocorreu quando já tinha 20 anos, no trabalho como secretária. Um dos clientes disse que estava com muita pressa e que ela devia chamar o gerente o mais breve possível.

   - Sinto muito, senhor, o gerente está em reunião e só poderá atendê-lo daqui a uma hora.

   - O quê? Sua branquela de olhos azuis, você não está entendendo que estou com pressa?

   Aquelas palavras fizeram-na despertar para a realidade. Então era aquilo? A diferença entre ela e Julliette, em todos aqueles anos, não era apenas econômica? Acima de tudo, a diferença estava nas características físicas: ela, de olhos azuis e cabelos castanhos; e Julliette, uma linda africana de pele e olhos negros? Sarah teve que suportar o insulto e imaginou se, em algum lugar do mundo, aquela realidade preconceituosa era diferente. Haveria um país em que os brancos eram iguais aos negros? Ou eram tratados melhor do que os negros?

   Sarah voltou a si quando o próximo cliente, um poderoso e atraente homem negro, cheio de dentes brancos e impecáveis, olhando para o relógio de ouro, perguntou-lhe sorridente se o gerente iria demorar.

   - N... não – ela conseguiu dizer, impressionada. 

   A resposta era uma mentira, o gerente iria demorar bastante tempo. Ainda assim, Sarah achou que seria interessante fazer aquele estranho esperar na sala dela por quase uma hora... "Isso, se ele não se importar com minha cor, tão horrivelmente clara."





Por Cristiane Krumenauer
Autora de Atrás do Crime (Giostri, 2016), entre outros livros de suspense.