Sempre ficava pensativa depois de assistir a filmes de guerra, em que o
mocinho parte para a batalha num país distante, deixando sua amada à mercê do
tempo e da saudade. O mocinho, igualmente com o coração partido, escreve-lhe
cartas – a amada, na verdade, serve como seu ponto de apoio, é o motivo pelo
qual deve permanecer vivo a cada dia, após lutas e mais lutas em que perde
amigos e companheiros. O rompimento geralmente acarreta um desequilíbrio e o
herói sofre tanto que deixa de se importar com a própria sobrevivência naquele
cenário de horror e solidão.
Por que eu ficava pensativa? Bem, conheço uma história real que foge
completamente a esses padrões hollywoodianos. Trata-se de um amigo meu que
conheci em viagem à Colômbia. Era militar, e como vocês podem presumir, um
militar na Colômbia tem que enfrentar a temida Farc, conhecida por desestabilizar o governo e causar graves dores de cabeça nos presidentes. Há os
que defendem os ideais políticos das Farc, mas não estou aqui para tratar
disso, e sim, para contar uma história.
Como ia dizendo, muito da visão hollywoodiana é comovente e romântica.
Pena que a realidade não seja tão utópica assim. Meu amigo, cujo nome vou
substituir por Capitão Luís, de tempos em tempos era enviado às batalhas contra
o grupo das Farc e de lá só retornava a cada seis meses.
- ¡Te quiero mucho, mucho! – dizia ele à amada.
- ¡Vuelvas, mi amor! Me
hace falta estar contigo – respondia ela a cada despedida.
Era uma cena bonita e também comovente. Já, nas batalhas, a vida do
capitão era cruel. Os guerrilheiros, avisados da presença do exército, às
vezes, fugiam. Outras vezes, porém, o confronto era inevitável. Capitão Luís
via amigos feridos, alguns mortos, outros mutilados por bombas previamente
armadas em locais estratégicos. Os que tinham esperanças de se salvar ou de
salvar um braço ou perna eram enviados de helicóptero ou aeronave para o
hospital militar de Bogotá. Essa era a rotina terrível de meu amigo e, para
esquecer tanto sangue, compreendam, é necessário alguns divertimentos, alguns
envolvendo mulheres.
Enquanto isso, na distante e agitada capital Bogotá, a amada não podia
deixar de viver sua vida. A saudade era tanta que Inês, é como irei chamá-la
neste conto, precisava sair com as amigas à noite, frequentar os bares
iluminados, dançar cumbia e beber alguma cerveja. Inês
não se sentia atraída pelos colombianos, exceto por Capitão Luís, e tinha uma queda imensa
por estrangeiros. Com o corpo sensual e os cabelos longos cacheados, conseguia
atraí-los e a solidão da distância podia ser substituída por beijos calientes sob o luar.
Como estava lhes dizendo, uma versão um pouco diferente da dos filmes de
guerra, não acham? Bem, a essa altura, vocês devem estar torcendo para que eu
diga que, no final de todo o pesadelo da guerra, ambos os corações, feridos
pelas traições e distâncias, acabaram se arrependendo e se perdoando, vivendo
felizes para sempre, certo? Bem, em parte, sim.
Quando meu amigo foi promovido a um escalão mais alto, pôde cumprir com
suas funções na própria capital Bogotá, não necessitando mais enfrentar a
guerrilha. Major Luís, esse era seu novo posto, e Inês se casaram. A rotina
comum do casal era maçante, mas nada que se comparasse ao terror das batalhas.
Uma noite, o major decidiu convidar o secretário do diplomata americano para um
jantar em sua casa. Agora que ele fazia parte de um escalão mais alto, nada
mais natural que estabelecer uma boa rede de contatos e ele sabia que um
secretário sempre tinha muito a dizer:
- O governo americano não vai mais apoiar se a Colômbia continuar
fazendo vistas grossas para os crimes de guerra – dizia ele, entre um nacho e outro, trazido por Inês, que com
eles bebericava uma cerveja.
Os jantares foram outras vezes repetidos. Quando não era um jantar, era
um happy hour no fim de tarde.
- Nós vamos continuar o contato com um simples secretário? – perguntava
Inês, demonstrando não estar nada interessada no americano.
- É só por um tempo. Além disso, o cargo em que estou não é suficiente
para ser amigo direto do diplomata.
E assim, a sucessão de jantares e encontros continuou. Continuou até ser
interrompida bruscamente pelo desaparecimento de Inês. Major Luís, aflito, não
queria acreditar no bilhete que tinha nas mãos: “Enjoei desta vida! Melhor
quando nos víamos somente a cada seis meses. Vou sair de férias para Cartagena
por um mês, não tente impedir. Depois, quem sabe? Adeus”.
Meu amigo estava estarrecido diante das palavras frias da mulher e
perguntava a si mesmo se ter deixado a luta armada em troca de um serviço
burocrático tinha sido a melhor escolha. Estava abatido e não podia conversar
com outros militares a respeito de seu sofrimento, era uma questão de orgulho.
Então, lembrou-se do secretário americano e sentiu que aquele seria o ombro
amigo ideal para desabafar.
Como sempre, nos finais de tarde, chovia em Bogotá. O major pegou o
guarda-chuva, tomou as chaves do carro e foi até a embaixada americana. Estacionou
no lado externo e acabou se molhando um pouco quando o guarda-chuva rasgou
diante de uma rajada de vento. Entrou no edifício, identificou-se ao vigilante
e foi autorizado a subir ao terceiro andar. Lá, uma secretária ruiva, que
falava um espanhol terrivelmente enrolado, deu-lhe a frustrante notícia:
- O secretário? Sinto muito, está de férias.
- Férias? – perguntou, pensando ser apenas uma coincidência.
- Parece que foi para Cartagena. Quem de nós não gostaria de passar as
férias por lá, não é mesmo?
Depois do episódio, não é nem preciso falar que meu amigo deixou sua
vida burocrática em Bogotá para trás, não é mesmo? Hoje, faz parte de um batalhão de fronteira e sorri, em êxtase, toda vez que pressente a proximidade
do inimigo.
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