Atrás do Crime - conquistando os leitores do Brasil

Atrás do Crime - book trailer

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

LAS FARC: O AMOR E A GUERRILHA



      Sempre ficava pensativa depois de assistir a filmes de guerra, em que o mocinho parte para a batalha num país distante, deixando sua amada à mercê do tempo e da saudade. O mocinho, igualmente com o coração partido, escreve-lhe cartas – a amada, na verdade, serve como seu ponto de apoio, é o motivo pelo qual deve permanecer vivo a cada dia, após lutas e mais lutas em que perde amigos e companheiros. O rompimento geralmente acarreta um desequilíbrio e o herói sofre tanto que deixa de se importar com a própria sobrevivência naquele cenário de horror e solidão.
      Por que eu ficava pensativa? Bem, conheço uma história real que foge completamente a esses padrões hollywoodianos. Trata-se de um amigo meu que conheci em viagem à Colômbia. Era militar, e como vocês podem presumir, um militar na Colômbia tem que enfrentar a temida Farc, conhecida por desestabilizar o governo e causar graves dores de cabeça nos presidentes. Há os que defendem os ideais políticos das Farc, mas não estou aqui para tratar disso, e sim, para contar uma história.
      Como ia dizendo, muito da visão hollywoodiana é comovente e romântica. Pena que a realidade não seja tão utópica assim. Meu amigo, cujo nome vou substituir por Capitão Luís, de tempos em tempos era enviado às batalhas contra o grupo das Farc e de lá só retornava a cada seis meses.
      - ¡Te quiero mucho, mucho! – dizia ele à amada.
     - ¡Vuelvas, mi amor! Me hace falta estar contigo – respondia ela a cada despedida.
      Era uma cena bonita e também comovente. Já, nas batalhas, a vida do capitão era cruel. Os guerrilheiros, avisados da presença do exército, às vezes, fugiam. Outras vezes, porém, o confronto era inevitável. Capitão Luís via amigos feridos, alguns mortos, outros mutilados por bombas previamente armadas em locais estratégicos. Os que tinham esperanças de se salvar ou de salvar um braço ou perna eram enviados de helicóptero ou aeronave para o hospital militar de Bogotá. Essa era a rotina terrível de meu amigo e, para esquecer tanto sangue, compreendam, é necessário alguns divertimentos, alguns envolvendo mulheres.
      Enquanto isso, na distante e agitada capital Bogotá, a amada não podia deixar de viver sua vida. A saudade era tanta que Inês, é como irei chamá-la neste conto, precisava sair com as amigas à noite, frequentar os bares iluminados, dançar cumbia e beber alguma cerveja. Inês não se sentia atraída pelos colombianos, exceto por Capitão Luís, e tinha uma queda imensa por estrangeiros. Com o corpo sensual e os cabelos longos cacheados, conseguia atraí-los e a solidão da distância podia ser substituída por beijos calientes sob o luar.
      Como estava lhes dizendo, uma versão um pouco diferente da dos filmes de guerra, não acham? Bem, a essa altura, vocês devem estar torcendo para que eu diga que, no final de todo o pesadelo da guerra, ambos os corações, feridos pelas traições e distâncias, acabaram se arrependendo e se perdoando, vivendo felizes para sempre, certo? Bem, em parte, sim.
      Quando meu amigo foi promovido a um escalão mais alto, pôde cumprir com suas funções na própria capital Bogotá, não necessitando mais enfrentar a guerrilha. Major Luís, esse era seu novo posto, e Inês se casaram. A rotina comum do casal era maçante, mas nada que se comparasse ao terror das batalhas. Uma noite, o major decidiu convidar o secretário do diplomata americano para um jantar em sua casa. Agora que ele fazia parte de um escalão mais alto, nada mais natural que estabelecer uma boa rede de contatos e ele sabia que um secretário sempre tinha muito a dizer:
      - O governo americano não vai mais apoiar se a Colômbia continuar fazendo vistas grossas para os crimes de guerra – dizia ele, entre um nacho e outro, trazido por Inês, que com eles bebericava uma cerveja.
      Os jantares foram outras vezes repetidos. Quando não era um jantar, era um happy hour no fim de tarde.
      - Nós vamos continuar o contato com um simples secretário? – perguntava Inês, demonstrando não estar nada interessada no americano.
      - É só por um tempo. Além disso, o cargo em que estou não é suficiente para ser amigo direto do diplomata.
      E assim, a sucessão de jantares e encontros continuou. Continuou até ser interrompida bruscamente pelo desaparecimento de Inês. Major Luís, aflito, não queria acreditar no bilhete que tinha nas mãos: “Enjoei desta vida! Melhor quando nos víamos somente a cada seis meses. Vou sair de férias para Cartagena por um mês, não tente impedir. Depois, quem sabe? Adeus”.
      Meu amigo estava estarrecido diante das palavras frias da mulher e perguntava a si mesmo se ter deixado a luta armada em troca de um serviço burocrático tinha sido a melhor escolha. Estava abatido e não podia conversar com outros militares a respeito de seu sofrimento, era uma questão de orgulho. Então, lembrou-se do secretário americano e sentiu que aquele seria o ombro amigo ideal para desabafar.
      Como sempre, nos finais de tarde, chovia em Bogotá. O major pegou o guarda-chuva, tomou as chaves do carro e foi até a embaixada americana. Estacionou no lado externo e acabou se molhando um pouco quando o guarda-chuva rasgou diante de uma rajada de vento. Entrou no edifício, identificou-se ao vigilante e foi autorizado a subir ao terceiro andar. Lá, uma secretária ruiva, que falava um espanhol terrivelmente enrolado, deu-lhe a frustrante notícia:
      - O secretário? Sinto muito, está de férias.
      - Férias? – perguntou, pensando ser apenas uma coincidência.
      - Parece que foi para Cartagena. Quem de nós não gostaria de passar as férias por lá, não é mesmo?
      Depois do episódio, não é nem preciso falar que meu amigo deixou sua vida burocrática em Bogotá para trás, não é mesmo? Hoje, faz parte de um batalhão de fronteira e sorri, em êxtase, toda vez que pressente a proximidade do inimigo.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

MATERNIDADE AVASSALADORA


       Nada mais difícil, e prazeroso, do que ser mãe!

      Durante a gravidez, caminhamos, altivas, sendo admiradas e veneradas por todos que nos cercam. Transparecemos essa superioridade, não com ações egoístas e orgulhosas, mas com uma doçura cândida que parece amenizar todas as dores do mundo. Não há nada que um olhar de mãe não cure. Em meio às chagas, as mães, com suas barrigas imponentes, perambulam e seu olhar complacente vai, aos poucos, cicatrizando todas as feridas. Não existe tristeza no coração de uma mãe e sua única necessidade é o bem-estar do próprio filho.

      Nove meses passados, nasce o bebê e a atmosfera de proteção daquele ser tão inocente, tão indefeso, só vem a aumentar. Na gravidez, essa atmosfera resume-se em falar de tudo o que ocorre com o pequeno: se mexeu, se chutou, se é menino ou menina, se está crescendo... Contudo, ao nascer é que um enigma se inicia e as razões disso, apenas uma divindade seria capaz de explicar. Não é apenas que o bebê necessite de cuidados durante as 24 horas, e sim, as mães que não conseguem se desligar nem pensar em outra coisa a não ser neles. É como se um véu fosse posto para não permitir outra distração a menos que essa envolva o pequeno ser.

      A mãe não dirige, apenas guia o carro com os olhos no retrovisor, verificando se o bebê está em segurança na cadeirinha.

      A mãe não cozinha, apenas prepara as refeições, o olhar confuso, dividido entre as panelas e o filho.

      A mãe não assiste às novelas, apenas se senta por alguns breves e relaxantes instantes em frente à televisão, enquanto o silêncio do bebê que dorme a faz perguntar-se se está realmente tudo bem.

      A mãe não dorme, apenas repousa os olhos enquanto os ouvidos permanecem atentos a qualquer suspiro, a qualquer movimento.

      A mãe não sente dor, pois o sorriso de um filho equivale a milhares de doses de anestesia, fazendo com que se levante sempre e tenha forças para continuar.

      Tudo isso não ocorre somente porque as mães são zelosas ao extremo. É mais do que isso: parece provir da naturalidade, de um instinto irrecusável, impossível não ser assim. Aos poucos, ao passo que a criança cresce, essa atmosfera de proteção vai se tornando mais amena: é preciso que a mãe retome sua vida e que deixe o filho mais independente. Ela sabe disso, ela compreende isso. Contudo, não é fácil! A hora da conscientização de que ambos são dois, e não um só, é um dilema não só para o bebê, que chora assustado e clama por aconchego, mas também para a mãe.

      O rompimento acontece e, tal como o parto, é inesquecível e doloroso.

      Ainda assim, faz parte da vida, é natural e irrecusável. O filho cresce e, agora, já não anda mais ao lado, mas à frente da mãe. Ela não lamenta, antes sorri, a superioridade ainda estampada no rosto.

      Quanto mais tento entender tudo isso, esses elos que se formam naturalmente, esses sentimentos que nos envolvem e dominam, menos palavras me vêm. Talvez porque a explicação seja mesmo divina ou, simplesmente, porque a Mãe Natureza seja perfeita.

      Também sei que haverá os que discordam da minha visão do papel de mãe, no entanto, compreendam: não se trata de um ponto de vista, mas de uma força contra a qual não se pode lutar. Não estou defendendo nenhuma tese, nem procurando coerência como numa argumentação, estou apenas descrevendo de forma simples e direta os mistérios da vida. E se, novamente e com mais veemência, continuam a discordar, creio que é porque a labuta diária não tenha deixado espaço para a Mãe Natureza impor toda sua grandeza e magnitude que avassalam e, nitidamente, transformam a vida de uma pessoa.